Inflação e Valuation

Falar de inflação e valuation pode não parecer muito comum, mas são dois conceitos que andam de mãos dadas. Especialmente em um momento como o atual, em que a inflação está em crescimento e deve permanecer bastante alta por algum tempo.

Em um contexto como o atual, é comum que investidores procure fazer um hedge (ou seja, uma posição de “proteção”) contra a inflação. Para muitos, isso significa comprar um título de Renda Fixa atrelado ao IPCA. No entanto, para muitos outros, isso significa procurar empresas que costumam prosperar mais em períodos de alta inflação — sim, elas existem.

Por isso, a relação entre inflação e Valuation é tão importante: algumas empresas podem sair prejudicadas em seu valor negócio durante uma alta do IPCA, mas outras podem se beneficiar.

Siga a leitura para entender mais sobre essa relação em como avaliar uma empresa!

O que é inflação?

A inflação é um fenômeno financeiro que acontece quando o equilíbrio entre oferta e demanda é desfeito, pendendo para valorizar a oferta em relação à demanda. Explicando de maneira mais simplificada, ela acontece quando há um aumento de demanda (ou seja, quando as pessoas têm mais dinheiro e/ou crédito para gastar) ou quando há uma redução da oferta (ou seja, quando há escassez de produtos).

No geral, a inflação é algo constante em todas as economias, sendo mantida controlada em padrões relativamente baixos (3% ao ano costuma ser a meta dos principais Bancos Centrais do mundo). No entanto, quando volátil e em crescimento, a inflação tem efeitos negativos em todos os tipos de ativos financeiros, de ações à títulos de dívida (exceto aqueles atrelados ao IPCA, algo que não é comum no mercado internacional). Também costuma ter efeitos neutros ou até mesmo positivos em ativos como commodities, ouro, colecionáveis e outros.

Dito isso, o fato é que a inflação pode prejudicar o valuation de muitos negócios, mas ter efeitos positivos em alguns outros.

Inflação e Valuation: quais são os efeitos dessa relação?

Para entender como a alta inflação pode afetar o Valuation de empresas de todos os tipos e tamanhos, precisamos voltar ao básico e entender quais são os fatores mais considerados na hora de calcular o valor de uma empresa.

O padrão para calcular o valuation de um negócio é entender o seu modelo de negócio (fazemos isso olhando especialmente para 3 fatores), mas também para entendermos o seu risco (também olhamos para 3 fatores nesse caso).

Os 3 fatores que nos permitem enxergar melhor a capacidade de gerar lucro e faturamento da empresa são:

  • Crescimento de receita: que mostra o padrão de crescimento do negócio em relação ao seu mercado;
  • Margens operacionais: que mostra o quão lucrativo é o negócio;
  • Eficiência de Investimentos: que mede quanto a empresa precisa investir para conseguir crescer.

Já o risco é medido também através de 3 fatores:

  • Custo da dívida: qual é o custo para emprestar dinheiro e se financiar;
  • Custo do capital próprio: que é o custo da empresa quando capta recursos via ações ou investimentos, ou ainda o aporte dos próprios sócios, geralmente no caso de PMEs (pequenas e médias empresas);
  • Risco de falência: que é a probabilidade de algum evento colocar o modelo de negócio em risco.

No geral, esses 6 fatores são afetados pela inflação, cada um de um modo. Dependendo do peso que cada fator tem no valuation de uma empresa, ela pode se beneficiar ou se prejudicar em um cenário de alta dos preços.

Como a inflação afeta cada fator

  • Crescimento de receita: O impacto da inflação depende do seu “poder de mercado”, ou seja, da sua capacidade de aumentar preços sem perder vendas. Empresas que tem essa capacidade, são afetadas positivamente pela inflação, que aumentará seu faturamento;
  • Margens operacionais: a inflação afeta os seus custos e estrutura de produção. Empresas que têm altos custos de produção, além de custos que são mais afetados pela inflação (como commodities), verão suas margens diminuir;
  • Eficiência de Investimentos: a inflação gera incertezas sobre futuros investimentos, tornando mais difícil para os negócios conseguirem fazer investimentos maiores no momento, especialmente porque a inflação gera um aumento da taxa de juros, o que encarece empréstimos e financiamentos;
  • Custo de dívidas: a inflação aumenta o custo das dívidas, já que a correção dos contratos de financiamento pela inflação aumenta a taxa de juros e parcelas a pagar;
  • Custo do capital próprio: a inflação aumenta o custo do capital próprio das empresas. Quanto mais arriscado o negócio, maior o impacto;
  • Risco de falência: a inflação aumenta o risco de falência de empresas com fluxo de caixa negativo.

Com tudo isso em mente, dá para ver que a maior parte das empresas sai com o valuation prejudicado em um período de alta da inflação. No entanto, alguns negócios podem se beneficiar.

São empresas que têm baixo custo de dívida e capital próprio, que têm um fluxo de caixa positivo e que contam com alto poder de mercado (a possibilidade de aumentar preços sem perder vendas) e cujos custos não estão muito atrelados à commodities (ou, no mínimo, com grandes margens operacionais).

Em resumo, as empresas que têm a capacidade de repassar o crescimento da inflação no preço dos seus produtos, que não tem uma estrutura de custo afetada pela inflação, sem dívidas de longo termo e sem margens operacionais pequenas, são aquelas que se beneficiam com a inflação e isso poderá ser visto em seu Valuation nesse momento.

Qual o impacto desses fatores no Valuation de empresas de pequeno, médio e grande porte?

Como mencionado lá na abertura do artigo, muitos investidores olham para o período de alta inflação (especialmente um período de inflação inesperada, fora das projeções do mercado) e buscam opções para fazer hedge e proteger o dinheiro.

É claro que títulos de Renda Fixa atrelados ao IPCA tendem a atrair esses investimentos, mas muitas empresas de mercados que se beneficiam da inflação também recebem parte do dinheiro desses investidores, especialmente aqueles que têm tolerância ao alto risco.

Nesse contexto, o Valuation desses negócios tende a ser positivamente afetado, enquanto o de empresas que são prejudicadas pela inflação tende a ser negativamente afetado.

Uma rápida análise de Aswath Damodaran durante uma das suas aulas online, ele citou o caso dos EUA, onde mostrou uma forte correlação de valorização das empresas que mais se beneficiam da inflação inesperada em relação àquelas que menos se beneficiam. Por exemplo, usando os dados econômicos e financeiros da economia americana, o estudo constatou que décadas que tiveram uma inflação inesperada acima da média (como a década de 40, 60 ou de 70), registraram também um aumento acima da média na valorização de empresas que, de acordo com os padrões do estudo, se beneficiam da inflação.

Ou seja, o estudo mostrou que esses negócios, bem posicionados para coletar os benefícios de um mercado com inflação acima do previsto, se valorizaram consideravelmente.

O mesmo estudo pegou o Valuation de empresas americanas em 2022, quando a inflação tem performado acima da média no mercado dos EUA.

A pesquisa mostrou como empresas de nichos mais dependentes de commodities, com alto endividamento e com baixas margens operacionais, como o de tecnologia, comunicação e de bens e serviços não essenciais, foram os que mais perderam valor no período. Também vale destacar setores como o de Saúde e Imobiliário, como alguns dos que mais perderam.

Já o setor de energia se destaca por ter, na verdade, um crescimento significativo de 41% no valuation em 2022. Afinal, é um setor com alto poder de mercado e boas margens.

Outra descoberta interessante é que as empresas de pequeno porte tendem a melhorar seu valuation nesse período. O estudo mostrou que os negócios dentro da faixa dos 20% de menor faturamento na economia são os que cresceram em valuation em 2022.

Os 10% menores negócios cresceram seu valuation em 34%, enquanto as empresas na faixa de 11% a 20% menores faturamentos cresceram 3,10%. Todos os outros negócios tiveram queda de Valuation.